Morreu quinta-feira passada a cantora americana Eartha Kitt, com 81 anos. Grande sucesso internacional em disco, show, teatro musical, dança, cinema e TV (ela foi a Mulher-Gato durante muitos anos na primeira série do Batman ainda em preto e branco). Nesses últimos anos, apesar da idade e da doença implacável, continuava cantando com a sua voz rouca e seu eterno jeito sexy e sofisticado.
Li no New York Times que uma de suas últimas apresentações foi na reinauguração do Café Carlyle em 2007, e me lembrei de uma vez que a vi ao vivo nesse mesmo night-club, elegante e badalado. Apesar da pouca voz, Eartha sabia valorizar as letras das músicas, escolhidas a dedo e sempre contando histórias de amor, de amantes, de homens ricos, jóias de ouro, anéis de brilhantes e iates fabulosos!
Nessa noite em Nova York o frio estava de matar, pois era janeiro e tinha nevado bastante. Como reservamos o “dinner-show” e tínhamos que chegar antes das oito, saímos do nosso hotel às sete e meia para pegar um táxi, mas não conseguimos nenhum. Passavam muitos, mas todos cheios. Andamos até o Hilton na Sexta Avenida – onde havia sempre uma enorme fila de táxis – mas lá também não havia nenhum. Pedimos ao porteiro para chamar um por rádio, mas a espera era de 40 minutos!
Não sabíamos mais o que fazer, pois eu estava ficando congelado e Denise, minha mulher, mais ainda, pois apesar do pesado mantô, estava de vestido curto, meia de nylon e salto alto e já não sentia mais as pernas! Atravessamos a rua para voltar ao hotel quando ouvimos uma freada bem barulhenta seguida de duas buzinadas. Olhei para o lado e vi um carro enorme e caindo aos pedaços, parecendo uma lancha, com a parte de trás quase encostando ao chão! O pior carro bandalha que eu vi na minha vida!
O vidro da janela abriu e um negão de boina xadrez botou a cabeça para fora e perguntou: “Do you guys need a ride?” Eu fiquei um segundo sem conseguir responder, pois meu maxilar estava duro de frio, mas a Denise falou: “Eu não entro nesse carro! Esse cara vai nos levar para outro lugar, nos assaltar e nos matar!”
Eu virei para ela e falei: “Então você fica, porque eu vou. Prefiro ser morto num carro aquecido a morrer congelado na calçada”. Perguntei ao negão quanto seria a corrida e ele disse dez dólares, o mesmo que um táxi cobraria. Abri a porta e entrei. Denise meio hesitante acabou entrando atrás de mim. Caímos no banco de trás e afundamos até o chão do carro! As molas já tinham se desintegrado há anos. Mas o calorzinho do aquecimento da “lancha” nos reanimou.
Muito engraçado, gentil e falante, contando casos de pessoas famosas de Nova York que ele já transportara naquela charanga, e dirigindo com a maior atenção, o simpático motorista nos levou até a porta do chiquérrimo Hotel Carlyle sem fazer nenhum desvio. Chegamos lá exatamente ás oito horas. O mais engraçado foi a cara do porteiro do hotel, todo enfarpelado parecendo um general cheio de alamares dourados, abrindo a porta do carro e literalmente nos puxando para fora, pois não conseguíamos sair do banco afundado.
Entramos no café, pequeno e muito elegante (nós já tínhamos visto lá uma vez o Bob Short), sentamos e pedimos uma bebida urgente! Eu virei um copo de conhaque de uma vez só, enquanto Denise bebericava champanhe, ainda com as pernas congeladas. Pedimos o jantar e ficamos contentes porque nossa mesa era de pista, quase no palco.
Enquanto jantávamos vimos que dois funcionários estavam ajeitando os refletores de frente para o piano e o microfone. As luzes tinham um filtro de papel celofane rosa, a cor que mais favorece a pele feminina em cena. Um deles virou para o outro e perguntou: “Não vamos colocar nenhum refletor nas laterais?” O outro, com certeza bem antigo na profissão, respondeu: “Luz de lado? Você está maluco? Se Miss Kitt entrar em cena e vir luz de lado, que realça todas as rugas e defeitos da pele, ela mata você!”
Minutos depois o show começou e ela impressionou a todos com a sua presença. Apesar de estar na época com pelo menos 70 anos, a mulher tinha um corpo de garota, dentro de um vestido justíssimo de malha dourada, sem sutiã! Pegou o microfone e começou a ronronar – coisa que fazia desde o tempo da Mulher-Gato e que a tornou conhecida na época das discotecas – e atacou de “Where is my man”, seu maior sucesso da carreira, seguido de "I love men". A platéia delirava!
Valeu Miss Kitt, foi um ótimo show. Mas as pernas da Denise continuaram congeladas até voltarmos ao hotel...
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
EARTHA KITT: ESQUENTANDO O INVERNO DE NEW YORK!
Marcadores: bob short, eartha kitt, hotel carlyle, mulher-gato, new york
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