Nos anos 80, sempre que eu chegava com alguma excursão à Nova York depois de duas semanas entre Miami e Orlando, a primeira coisa que todos me pediam era COMIDA BRASILEIRA! Ninguém agüentava mais comer cheeseburgers, pizzas, batatas fritas, sanduíches e outras delícias engordativas do fast-food americano – porque preferiam pagar pouco nas lanchonetes e só gastar os dólares nos Nikes, Reeboks, calças Lee, moletons e aparelhos eletrônicos.Eu então levava a galera direto para a Rua 46 onde existiam vários restaurantes brasileiros, entre eles o ótimo Via Brasil, que continua firme até hoje e servia tudo o que a turma queria: arroz, feijão, feijoada, bife com fritas, moquecas de peixes, acarajés, empadinhas, lingüiças, churrasquinhos, bolinhos de bacalhau, caipirinhas e muito mais!
E o pessoal entrava de sola nos pratos fundos bem cheios e matava a saudade da comida caseira do Brasil. E nos dias seguintes voltavam por conta própria para repetir a dose.
Certa vez eu estava almoçando lá com uma turma grande e barulhenta quando vejo entrar no restaurante lotado as minhas amigas Barbara Chevalier e Monica Martins, que eram Oficiais de Chancelaria do Itamaraty e moravam na cidade há bastante tempo. Elas me viram sentado só numa mesa de quatro lugares e perguntaram se podiam almoçar comigo e trazer mais uma pessoa que estava esperando num carro lá fora. É claro que eu disse sim e as duas voltaram para buscar a tal pessoa.De repente abre-se a porta e elas aparecem de braços dados com o presidente João Baptista Figueiredo! Vieram até a mesa, fizeram as apresentações, sentaram-se e começamos a conversar como se fôssemos quatro velhos amigos.
Nem preciso dizer que neste instante a barulheira do restaurante parou e fez-se um silêncio mortal! Ninguém mais comia o arroz com feijão e muito menos bebia as caipirinhas, pois estavam todos de olhos grudados na mesa onde o guia da excursão deles almoçava com o Presidente da República!
Muito simpático, contou que tinha ido à Cleveland fazer a revisão de uma cirurgia cardíaca que havia feito no ano anterior e estava em Nova York só por algumas horas, em visita não-oficial, voltando ao Brasil naquela noite mesmo. E ele também estava com saudade da comida brasileira! Depois de comer arroz com feijão bife e batata como todo mundo, foi de mesa em mesa cumprimentando a brasileirada e até posou para algumas fotos antes de ir embora – e pagou a minha conta, naturalmente...
quinta-feira, 9 de julho de 2009
DIÁRIO DO GUIA # 6: EU E O PRESIDENTE DA REPÚBLICA!
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quinta-feira, 27 de novembro de 2008
DIÁRIO DO GUIA # 5: A GORGETA SENSUAL...
Trabalhando como guia, além da passagem aérea, da hospedagem, dos passeios e dos ingressos para museus e atrações, eu ganhava uma diária de trabalho proporcional à viagem que estava capitaneando. Em idas para Miami e Orlando a minha diária era de 70 a 85 dólares, pelas Américas, Canadá e Europa entre 90 e 100 e para o Oriente de 150 a 200. A meu ver um bom pagamento, pois além de trabalhar eu estava também passeando, conhecendo lugares novos, me divertindo muito, vendo shows e exposições e ainda fazendo amigos. Isso sem contar as comissões pagas por algumas lojas se o grupo fizesse boas compras. Além disso tudo, era de praxe o guia receber uma gorjeta dos passageiros no final da excursão que, é claro, variava de acordo com o meu desempenho durante a viagem e com o bolso deles. Uma pessoa do grupo recolhia o dinheiro, colocava num envelope e me entregava na frente de todos fazendo um pequeno discurso, quase sempre no ônibus para o aeroporto no dia de voltar ao Brasil.
Eu não posso me queixar porque sempre tive a sorte de levar grupos de ótimas agências, com passageiros de excelentes condições financeiras e bem generosos. E, modéstia à parte, eu era um bom e divertido guia. As gorjetas chegavam às vezes a mais de mil dólares! É só fazer as contas: uma média de 42 passageiros, cada um dando de 20 a 30 dólares – o que não é muito – e o polpudo envelope encerrava a viagem com chave de ouro!
Uma vez eu estava com uma turma em Nova York e na véspera de voltar uma das passageiras me chamou num canto do lobby do Hilton e disse que o grupo estava tão satisfeito comigo que queria me dar de presente uma grande TV a cores! Quase tive um ataque! Uma TV? Seria o maior presente de grego, pois como é que eu ia entrar no Brasil com ela? Com a cota na época de só 100 dólares para eletrodomésticos e a TV custando mais do dobro, eu ia ter que pagar uma multa bem alta aqui no Galeão.Pedi que a senhora tentasse convencer a turma de que o melhor era dar a gorjeta em dólares naquele mesmo dia se possível, até porque eu estava duro e podia aproveitar essa grana para umas boas comprinhas no Bloomingdale’s. Fui rápido para o quarto me arrumar pois alguns casais iam comigo assistir ao show “Woman of the Year” com a Raquel Welch em menos de uma hora. Mal saí do banho e o telefone tocou.
Era a tal senhora dizendo que todos concordaram com a minha sugestão e que eu devia passar no quarto dela para receber o recheado envelope. Agora, atenção: eu preciso descrever essa senhora: loiríssima oxigenada, cinqüenta e poucos anos (mais velha que a minha mãe na época), toda plastificada da cabeça aos pés, cafona a não poder mais, metida a brotinho (só andava de short e saltos bem altos), coberta de jóias e sempre pronta para dar palpites na vida de todos do grupo. Mas afora isso, muito simpática e alegre.
Acabei de me vestir, de blazer e gravata – naquela época a ida ao teatro era bem mais caprichada – desci um andar e bati na sua porta. “A porta está aberta”, disse ela, “pode entrar!” E foi aí que a coisa engrossou... O quarto estava na penumbra, apenas um abajur aceso com um lenço vermelho por cima, um balde de gelo com champanhe e duas flûtes, e deitada na cama de camisola de renda preta transparente estava a madame, passando o polpudo envelope entre os siliconados seios!
Fiquei estático com aquela cena de sedução explícita! Entro ou não entro? Pego ou não pego o envelope? Será que ela vai me agarrar? Mais velha que a minha mãe...
Respirei fundo e entrei no quarto. Falou para eu sentar na cama e me serviu o champagne (americano) não muito gelado. Fazendo todo o charme possível para entregar o dinheiro, ela disse que se eu quisesse poderia ganhar outros envelopes iguais ou mais polpudos do que aquele, desde que...
Eu, sempre muito falante e animado, perdi a fala. Não sabia o que dizer nem o que fazer. O silêncio era constrangedor.
Mas logo a sorte bateu à porta: dois outros casais amigos dela que iam ao teatro e que estavam hospedados nos quartos ao lado passaram, viram a porta meio aberta e entraram, acendendo a luz. E me salvaram perguntando: “Luiz, recebeu a gorgeta? Já está na hora do show, vamos? O que houve fulana, você está doente, não vai com a gente?”
Ela, muito sem graça, me deu o envelope e na cama ficou, enquanto nós cinco saímos do quarto, eu saltitante com os meus muitos dólares no bolso e aliviado de ter escapado da embaraçosa situação sem maiores problemas.No dia seguinte, com mais uma mala entulhada com tudo o que eu tinha comprado rapidinho naquela manhã com os mil e tantos dólares da gorgeta, no traslado para o aeroporto eu agradeci a todos o presente enquanto ela mal olhava para a minha cara. E nem depois de chegar ao Rio se despediu de mim. Mas até hoje eu me pergunto o que teria acontecido se os casais não tivessem entrado no quarto...
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sexta-feira, 7 de novembro de 2008
DIÁRIO DO GUIA # 4: UMA ROUBADA EM TAXCO E OUTRA EM ORLANDO
Na primeira vez que eu levei uma excursão ao México, quando chegamos a Taxco, a cidade das minas de prata nas montanhas perto de Cuernavaca, fiquei impressionado com a quantidade de jóias, objetos de decoração, faqueiros e esculturas de prata expostas do lado de fora das lojas. Cestos enormes cheios de anéis de todos os tipos e tamanhos, bandejas transbordando de chaveiros, cinzeiros e colares, caixas abertas com mil enfeites, tudo nas calçadas, sem a menor segurança, como um tesouro de Ali Babá.
As lojas, uma ao lado da outra, sem portas ou vitrines, tinham no máximo uma pessoa atrás do balcão lá no fundo, quase sempre lendo o jornal ou tirando uma soneca. Um prato cheio para ladrões, pensei eu, pois qualquer passante poderia pegar um punhado de anéis e enfiar no bolso. E foi exatamente isso o que aconteceu com um garoto do grupo.
Eu estava me vestindo para jantar com a turma quando um rapaz bateu na minha porta e, muito nervoso, veio me contar que o seu companheiro de quarto tinha roubado mais de dois quilos de prata em duas lojas maiores! Dois quilos! Eram dois sacos cheios!
Eu não conseguia acreditar nessa história! O garoto em questão deveria ter uns 19 anos e era de uma ótima família de São Paulo, cheio da grana, e havia me mostrado logo no primeiro dia de viagem o caríssimo relógio Breitling que tinha comprado na joalheria do hotel da Cidade do México e pago à vista, já que naquela época no Brasil não havia cartões de crédito com validade internacional. E me mostrou a carteira recheada de notas de 100 dólares e falou das muitas coisas que ainda queria comprar.
Fomos os dois até o quarto deles, abrimos a porta e pegamos o outro contemplando o resultado do roubo todo espalhado pela cama: centenas de anéis, correntes, cordões e pulseiras de prata! Ele ficou lívido quando me viu e tentou disfarçar, dizendo que tinha comprado aquilo tudo para levar de lembrança para os amigos.
Na hora inventei que tinha recebido um telefonema dizendo que a polícia iria ao hotel mais tarde vistoriar os quartos devido a um roubo na cidade, e ele começou a tremer e a chorar, pedindo pelo amor de Deus para ajudá-lo. Fiquei com pena e então combinamos o seguinte: como íamos a pé do hotel ao restaurante, nós dois ficaríamos mais para trás do grupo e ele devolveria um saco na primeira loja e o outro na segunda, disfarçadamente.
E assim ele fez, para o meu sossego. Mas até o ultimo dia da excursão eu e o seu companheiro de quarto ficamos de olho no garoto o tempo todo, para evitar uma recaída que seria bem mais problemática nos Estados Unidos...
ASSUSTANDO AS ORCAS E OS GOLFINHOSOutra vez, no Seaworld de Orlando, um policial viu que eu estava usando uma camiseta da agência Brazilian Promotion Center e perguntou se eu falava "brasileiro". Respondi que sim e o negão de quase dois metros de altura me intimou a acompanhá-lo até a sede do parque. Fiquei morrendo de medo do que poderia estar me esperando.
Entramos numa salinha fechada e ele falou que duas senhoras de uma excursão de brasileiros tinham sido pegas roubando e como não falavam inglês eu seria o intérprete no interrogatório. Gelei por dentro, pois tínhamos realmente várias senhoras no grupo, e roubo nos Estados Unidos dá prisão, julgamento imediato e deportação! Ia ser uma grande confusão.
Foram os segundos mais longos da minha vida, o tempo que o guarda levou para abrir a porta de uma pequena cela e eu ver as duas senhoras aos prantos lá dentro! Não eram do meu grupo – que alívio! – mas estavam histéricas e foi muito difícil acalmá-las. Entre soluços me disseram que eram da excursão da Stella Barros, minha velha amiga, e pediram para chamar o guia delas. Tinham realmente roubado dois cartões postais cada uma, imagine, coisa de centavos, e foram presas assim que puseram os pés fora da loja.
O guarda me levou para uma sala que parecia uma estação de rádio, cheia de gravadores de rolo e toca-discos, de onde transmitiam as músicas temáticas do parque. Ele desligou os gravadores, me deu um microfone e ordenou: "Você tem dez segundos para chamar o tal guia em português. Mas veja bem o que vai falar, pois sua voz vai ecoar pelo parque todo!"
Pensei um segundo e mandei brasa falando bem alto: ”Fulano de tal, guia da Stella Barros, corra imediatamente para a sede do parque porque as senhoras tal e tal estão presas por roubo! Venha logo porque a barra vai pesar para o seu lado!” Acho que o aviso curto e grosso funcionou, já que em menos de cinco minutos chegou o guia esbaforido, suado e apavorado, pronto para enfrentar um problema bem sério...Não sei o final desta história, só sei que quando voltei ao parque e reencontrei a minha turma, fui ovacionado por todos que tinham reconhecido a minha voz que saiu tonitruante por centenas de alto-falantes do Seaworld, assustando focas, golfinhos, orcas, leões marinhos e muitos passarinhos...
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terça-feira, 7 de outubro de 2008
DIÁRIO DO GUIA # 3: O SUMIÇO DAS DUAS SENHORAS!
Certa vez me hospedei com um grupo da Stella Barros no excelente hotel Beverly Hilton, em Beverly Hills, o bairro das estrelas de Hollywood! É nele que fazem a maior festa da noite da entrega do Oscar. Apesar de ótimo e luxuoso o hotel é bem fora de mão, longe de tudo, e só de carro ou táxi você chega ou sai de lá. Em compensação, atravessando uma pequena passarela você já está na porta de uma enorme Bullocks, a mais famosa loja de departamentos da Califórnia.Eram umas cinco da tarde e tínhamos acabado de chegar do Universal Studios. No dia seguinte voávamos para Las Vegas e o traslado estava marcado para as oito da manhã. Antes de subir para o quarto duas simpáticas senhoras, D. Laurinha e D. Odaléa, que tinham a idade da minha avó, disseram que iam fazer umas comprinhas na tal loja do lado mas que estariam de volta a tempo de sairmos para jantar no Ma Maison, o badalado restaurante de Los Angeles.
Só que as duas não apareceram no hall na hora marcada! Liguei, mas como ninguém atendeu no quarto delas, imaginei que tinham ido jantar num dos muitos restaurantes do próprio hotel. E lá fui com o grupo para o tal restaurante chique. Duas horas depois estávamos de volta e como ainda era cedo, liguei novamente, mas de novo ninguém atendeu. Fiquei preocupado, chequei com o front-desk, falei com o resto do grupo, mas ninguém sabia das duas. O que teria acontecido?
Lá pela meia-noite ouço umas batidinhas na minha porta. Abro e dou de cara com as duas aos prantos, tremendo, muito nervosas. Depois de vários copos dágua me contaram o que tinha acontecido: quando entraram na loja às cinco e meia, não repararam no aviso dizendo que o horário de fechar era às dezoito horas. Percorreram os dois andares e até viram que a loja estava bem vazia, quase sem vendedores ou outros clientes. Como queriam comprar agulhas e linhas de bordar, foram para um departamento quase nos fundos do segundo andar e ficaram escolhendo as linhas sem perceber que estavam escondidas pelo balcão e fora da visão dos funcionários que fechavam os caixas e saíam, sem desconfiar que as duas ainda estavam lá dentro.
Quando de repente as luzes do andar todo se apagaram é que elas viram que estavam sozinhas dentro da loja e no escuro! Andaram em direção a uma claridade e chegaram às escadas rolantes desligadas. No primeiro andar também às escuras viram que a tal luz vinha das vitrines iluminadas. Tentaram abrir as portas da loja e nada: tudo trancado! Correndo pela loja toda, já bastante nervosas, tentaram outras saídas, mas tudo estava fechado com cadeados. Pegaram um telefone para ligar para o hotel e a linha estava muda. Desesperadas, principalmente porque sabiam que o ônibus ia sair do hotel ás oito e a loja só abriria as dez da manhã, entraram numa das vitrines e viram que do lado de fora a escuridão também era total. E não havia ninguém andando nas calçadas de Beverly Hills, bairro onde ninguém anda a pé...
Sem esperança de sair da loja, resignadas, recostaram-se nos manequins vestidos de Saint-Laurent e Dior da vitrine e se preparavam para dormir entre sedas e pailletées quando, de repente, passa pelo lado de fora um vigia noturno com uma lanterna checando as fechaduras da loja.Fizeram um verdadeiro escândalo, bateram no vidro e conseguiram chamar a atenção do homem que pensou ser um assalto à loja! Ele chamou uma patrulha que veio num minuto e a confusão estava armada! Para encurtar a história: foram parar na delegacia de Beverly Hills (pelo menos uma delegacia chique), contaram a história chorando muito – por sorte as duas falavam inglês e eram muito simpáticas - enterneceram os corações de todos e vieram escoltadas de volta ao hotel sem nenhum registro policial.
Foram direto para o meu quarto relatar a mirabolante aventura e me fizeram jurar de pés juntos que eu nunca contaria a história para ninguém! Agora, 35 anos depois e tendo as duas já partido para a viagem final, achei que podia contar.
E se o vigia não tivesse aparecido? O que iria acontecer no dia seguinte? Como é que eu ia sair do hotel com o grupo sem elas? Sem saber onde estavam, eu teria que chamar a polícia? Nem gosto de pensar, mas depois que as duas foram dormir eu passei o resto da noite de olho arregalado...
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quinta-feira, 28 de agosto de 2008
DIÁRIO DO GUIA # 2: FRANK SINATRA E A CRIANÇA PERDIDA!
Uma vez eu estava com um grupo grande em Orlando e com uma sorte danada conseguimos comprar entradas para um raro show do Frank Sinatra. A dona da agência responsável pela excursão alugou um ônibus para levar e trazer quem ia ao espetáculo e lá fomos nós contentes da vida. Eram trinta adultos, entre eles um casal com um filho de sete anos que só foi conosco porque os pais não queriam deixá-lo sozinho no hotel. Mas como eu fui o último a chegar no ônibus porque fiquei no lobby chamando os retardatários, nem lembrei de contar quantos passageiros tinham entrado. Chegamos à Orlando Arena e eu fiquei na calçada vendo a turma sair enquanto a dona pegava os ingressos na bilheteria.
Desceu todo mundo, o ônibus foi embora e eu me juntei ao grupo. De repente o tal casal deu por falta do filho! Procuram daqui e dali e nada do garoto aparecer. Como já sabiam que o menino era impossível, foram entrando no estádio e me disseram para ficar de olho porque certamente ele estava brincando de esconder. Só que como eu não tinha visto criança alguma descendo do ônibus, comentei baixinho com a dona da agência e ela quase teve um ataque, porque lembrava de ter visto o menino dormindo no último banco! E o ônibus tinha ido embora e o que viria nos buscar dali a três horas seria de outra companhia!Sempre que a minha chefa ficava nervosa – e nesse momento ela estava quase histérica – começava a rir sem parar e ficava sem ação! Em meio a muitas gargalhadas descobrimos o número do telefone da garagem do ônibus, ligamos, conseguimos explicar a situação, o funcionário que despachava as viaturas entendeu perfeitamente a crise e falou pelo rádio com o motorista que já estava quase chegando de volta à garagem.
Pedimos que ele estacionasse na freeway e fosse ver cuidadosamente se realmente o garoto estava lá atrás. Alguns minutos do maior suspense das nossas vidas e sim, ele estava no último banco dormindo a sono solto! Imploramos para que não acordasse o menino – já pensou se ele acordasse sozinho num ônibus parado no meio da escuridão com um negão olhando para a cara dele?Depois de longos vinte minutos o ônibus retornou ao estádio e parou na minha frente. Eu subi e falei alto para o menino acordar: “Vamos cara, você é o último a sair!”. Ele abriu os olhos e desceu sem perceber que tinha ficado quase uma hora andando de ônibus dormindo pelas freeways de Orlando. Da calçada já se podia ouvir os acordes iniciais da orquestra lá dentro.
Chegamos os três aos nossos assentos com as luzes apagando e o refletor branco iluminando o maior cantor do mundo que começava a entoar "My way”, enquanto os pais do menino totalmente despreocupados aplaudiam alegremente.
Eu e a chefa saímos discretamente, fomos até o bar e tomamos três uísques duplos cada um para relaxar do estresse enlouquecedor... E ninguém nunca soube de nada!
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quinta-feira, 31 de julho de 2008
DIÁRIO DO GUIA # 1: UM DOENTE NAS ALTURAS!
Quando você é guia de excursões e viaja acompanhando turistas pelo mundo afora, além das óbvias obrigações de checar horários da programação, confirmar vôos, dar avisos, supervisionar o check-in nos hotéis e aeroportos, distribuir boarding-cards, contar malas, fazer wake-up calls, dar sugestões de passeios nos dias livres, traduzir tudo para quem só fala português, e estar sempre a postos para qualquer informação adicional, há ainda imprevistos e surpresas que surgem de uma hora para a outra e que podem colocar em jogo a sua capacidade profissional.
O guia é o manda-chuva do grupo, o representante legal da agência, a voz maior da excursão, e todos os passageiros têm que respeitá-lo e acatar suas decisões para o bom andamento da viagem. Precisam sentir a sua autoridade mas não podem ficar dependentes, caso contrário você não consegue fazer mais nada.
E é claro que o guia tem que ser também o animador da festa, o brincalhão, o apaziguador de brigas, o cupido, e o cara experiente que já conhece a cidade e dá as melhores dicas sobre tudo, mesmo sem nunca ter estado lá antes…
Isso aconteceu comigo na primeira viagem ao Japão. Eu nunca tinha ido antes e de cara fui guiando 35 pessoas! Lógico que antes do embarque eu fiquei uma tarde inteira na agência recebendo instruções de uma guia que já tinha ido mais de seis vezes e como ela era muito detalhista, me deu todas as informações por escrito. Como no Japão os guias locais são perfeitos e acompanham a excursão o tempo todo, do primeiro ao último dia da viagem ninguém desconfiou que eu fosse um novato na terra do sol nascente. Só tive uma surpresa na primeira viagem, e das boas: eu sabia que duas lojas de Tóquio pagavam comissões ao guia sobre as compras do grupo, e já estava saindo para recebê-las. Mas ao abrir a porta do quarto dei de cara com seis japoneses de terno preto e óculos escuros esperando por mim, parecendo membros da máfia japonesa, a temível Yakuza!
Mas em vez de me atacar cada um entregou um gordo envelope fechado e sairam de costas fazendo muitas reverências. Quase pulei de alegria ao ver que ali estava a maior comissão que recebi na minha vida, trezentos e tantos mil ienes que rapidamente viraram mais de 3 mil dólares! E de lojas que a turma tinha ido por conta própria e que eu nem conhecia…
Na segunda ida ao Japão a coisa complicou. Na hora de embarcarmos de volta em Tóquio, já na fila para entrar no avião, um passageiro que viajava sozinho me chamou e eu vi que algo muito grave estava acontecendo: ele estava verde de dor por conta de pedras nos rins, e mal conseguia andar. O que eu ia fazer? Se chamasse um médico no aeroporto com certeza ia interná-lo para exames. Ele não falava inglês e muito menos japonês. Se eu ficasse com ele o que aconteceria com o grupo sozinho em San Francisco e Nova York? Chamei a turma num canto e expliquei a situação. O doente, gemendo muito, disse que queria embarcar de qualquer maneira. Eu e dois outros garotões o pegamos por debaixo dos braços e o fomos carregando em direção ao finger. Todas as senhoras ficaram à nossa volta fazendo uma paredinha na hora da entrega do boading-card para que a atendente da Japan Airlines não percebesse que o homem estava praticamente desmaiado. Arrastamos o doente e entramos no avião, o colocamos na primeira cadeira vaga, apertamos o cinto e o cobrimos com um cobertor até a cabeça. As aeromoças não perceberam nada.
Em pouco tempo o avião partiu e todos respiraram aliviados. Meia hora depois eu chamei um comissário e expliquei que o passageiro começou a passar mal depois que levantamos vôo e precisava de cuidados médicos. O rapaz deu uma olhada no doente que a estas alturas estava azul e se contorcendo de dor, pegou o microfone e fez um apelo para saber se havia algum médico a bordo. E aí aconteceu uma verdadeira cena de filme: abrem-se as cortinas da primeira classe e surge um médico vestido de branco com uma maleta e um estetoscópio tendo a seu lado uma enfermeira de uniforme e chapeuzinho branco com uma cruz vermelha! Fiquei pasmo! Eu sabia que a JAL era uma excelente companhia, mas médico e enfermeira uniformizados a postos nas alturas?
Na verdade os dois estavam acompanhando uma senhora bem idosa e rica e foram muito solícitos, examinando o doente e dando remédios contra dor e para dormir. Até eu ganhei um sonífero, pois o médico viu que eu estava à beira de um ataque de nervos!
Muitas horas depois chegamos a San Francisco e uma cadeira de roda e uma ambulância nos esperavam, mas a crise já havia passado e ele saiu andando normalmente do avião.
E graças a Deus, para a minha sorte, até o fim da excursão a dor não voltou!
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