quarta-feira, 17 de outubro de 2007

VOANDO PELOS CAMPOS DA ESCÓCIA!

A primeira viagem internacional que eu fiz na vida foi para a Escócia! Eu estava na Puc cursando o segundo ano de Jornalismo quando o professor de telejornalismo foi contatado pelo British Council para indicar um aluno que falasse inglês e que quisesse passar os próximos oito meses em Glasgow, no Thompson Foundation Television College, uma escola superior que só aceitava bolsistas de países subdesenvolvidos, como o Brasil, para se especializar em jornalismo televisivo.

Fui conversar com o cônsul e no dia seguinte ele me ligou dando a boa notícia de que eu teria que embarcar em menos de um mês! A passagem era por minha conta, mas lá tudo estava incluído: acomodações, transporte, todas as refeições, o curso, o material didático, passeios nos fins de semana e ainda uma boa ajuda de custos semanal de 15 libras!

Tranquei a matrícula, dei uma boa cantada nos meus pais que compraram uma passagem baratinha pela Aerolineas Argentinas via Madrid e lá fui eu sozinho na minha primeira aventura internacional! O vôo saiu do Rio à noite e com os atrasos, esperas e fuso horário cheguei ao aeroporto de Glasgow na noite escura do dia seguinte!

Quando peguei um táxi e o motorista falou comigo não entendi absolutamente nada! Que língua era aquela que o cara falava? Inglês não podia ser, pois eu sabia falar inglês. Mostrei o papel com o endereço e quando ele leu em voz alta é que eu percebi que os escocêses falam com um sotaque muito carregado, puxando nos “erres”, meio gutural e cantado, parecendo alemão.

Tive que fazer um esforço danado para tentar entender aquela língua estranhíssima. Na escuridão total o motorista dirigia pela esquerda que nem um alucinado e só os faróis iluminavam a estrada, pois não havia postes ou sinal algum de casas iluminadas. Nem sei como ele achou o nosso destino. Levei um susto, pois era uma enorme mansão, quase um castelo de pedra, com cara de mal assombrada, no meio do nada, sem nenhuma outra casa por perto, nenhuma luz à distância.

Ao bater na grande porta de madeira outra surpresa: uma empregada muito bonitinha, mas falando outro tipo de inglês que eu também não conseguia decifrar: agora era uma mistura de “cockney” brabo com o tal som meio alemão! E ela falava e falava e eu não entendia nada! Cansado, morto de sono e completamente confuso com tudo, resolvi seguir a moça por um corredor e acabei chegando ao que seria o meu quarto. Entrei, tirei a roupa, caí na cama e apaguei, não sem antes pensar bem arrependido: o que foi que eu vim fazer aqui?

No dia seguinte, um domingo, acordei e a primeira coisa que fiz foi olhar pela janela: a mansão ficava no meio de um campo verde maravilhoso, vizinho a várias fazendas de criação de ovelhas “shetland”, aquelas com as carinhas pretas, e uma delas estava exatamente olhando para mim do lado de fora da janela. Saí do quarto meio perdido, mas um cheirinho ótimo de bacon com ovos me puxou até a sala de refeições onde não havia ninguém, só os réchauds com comida e os bules de chá e café! Fui até a cozinha e quatro empregadas além daquela da véspera fizeram a maior festa, pois eu era o primeiro aluno a chegar.

Tomei café com elas na cozinha mesmo e aos poucos fui sacando o difícil sotaque. Finalmente comecei a entender o que as matracas falavam! Saí para dar uma volta pelo campo e ver de perto os carneiros e quase tropecei num casal de coelhinhos marrons que andavam soltos pela grama. O silêncio era incrível, pois estávamos a meia hora do centro de Glasgow, numa região chamada Newton Mearns, em Renfrewshire, em pleno campo escocês. Montanha, nenhuma. Era início de julho, supostamente verão, mas a temperatura devia ser de uns 15 graus! Mas o sol brilhando naquele céu azul me esquentou logo. E aí eu pensei: eu não vou é querer mais voltar para o Brasil...

Nesse dia de tarde o Dean (reitor) interrompeu seu sagrado week-end e veio especialmente me receber oficialmente. Batemos um papo - graças a Deus ele tinha nascido em Londres e o seu “british accent” era perfeito! - enquanto tomávamos algumas xícaras de chá – que durante os meses seguintes foi a bebida que eu mais bebi na minha vida - e depois fomos de carro até Glasgow para que eu conhecesse um pouco a cidade. Na segunda-feira chegou a galera da África, Vietnam, Grécia, Tailândia, Peru e outros países lotando o colégio. Em pouco tempo já estávamos amigos e o companheirismo ajudava a esquecer a saudade de casa e a dureza do curso.

Para relaxar nos fins de semana sempre inventávamos o que fazer, alugando uns mini-Austins e saindo a toda pelas estradas na (nossa) contramão, e apesar do pouco tráfego de repente levávamos o maior susto ao dar de cara com um daqueles ônibus vermelhos de dois andares bem na nossa frente logo depois da curva! Tentamos mas nunca conseguimos ver o Monstro do Loch Ness, conhecemos as famosas “Highlands” (que de high não tinham nada), fazíamos piqueniques na beira dos mil lagos, visitamos várias destilarias de whisky (onde "provávamos" de tudo e quase entrávamos em coma alcóolica depois), várias lojas que vendiam os diversos “tartans” dos clãs mais conhecidos, bebíamos todas as cervejas até os pubs fecharem, e assistimos até cansar a concertos de gaitas de fole. Em alguns fins de semana com feriados fomos várias vezes a Edinburgh (que se pronuncia Édinbârâ) e Londres. Em outros éramos convidados para jantar nas fazendas e provar os quitutes locais, ótimos por sinal, como "kidney pie".

Mas o melhor de tudo era cavalgar os imensos e fortões cavalos “percheron” da fazenda vizinha ao College e passear por aquele campo verde sem fim. Os capatazes da fazenda nos faziam mil recomendações: os animais eram de raça pura e como fazia muito frio tínhamos que andar a passo lento pelo menos por meia hora antes de trotar pela estrada de terra para que esquentassem a musculatura e nem pensar em galopar pois era perigoso para nós e para eles, que podiam ter câimbras ou distender algum músculo e nos derrubar das selas. Como não cobravam aluguel e os nossos passeios eram uma forma de exercitar os cavalos, tínhamos que obedecer à risca às instruções...

Passear pelo campo é uma expressão suave para dizer que nós “voávamos” alucinadamente! Quem disse que conseguíamos segurar os bichos? Nós íamos saindo da fazenda passo a passo, devagarzinho, puxando as rédeas o mais que podíamos, com os cavalos lutando e cabeceando contra a nossa força. Quando viravam a curva da estrada e viam o campo livre pela frente, ah, os bichos enlouqueciam, davam um tranco com a cabeça, nós soltávamos as rédeas e a manada selvagem saía da estrada, saltava as cercas e adeus recomendações! Os cavalos corriam que nem uns desesperados, no maior galope, soltando fumaça pelas narinas, pulando de qualquer jeito as cercas e troncos caídos! E nós nos segurando como podíamos, com aquele o gelado na nossa cara!

Os africanos, de terno – não sei por que - que nunca haviam cavalgado na vida, ficavam apavorados e iam gritando sem parar “Luiz, we’re gonna die!”, agarrados nas selas inglesas tentando não cair. Eu e o peruano Hugo, os únicos daquela turma que já tinham andado a cavalo antes, íamos à frente a mil por hora, às gargalhadas e morrendo de medo também. E não havia nada a fazer a não ser deixar-se levar pela fúria dos cavalos, que só depois de uns 40 minutos começavam a cansar e a diminuir a velocidade. Mas era só os bichos reconhecerem o caminho de volta para a fazenda que disparavam novamente como bólidos enlouquecidos e só diminuíam a velocidade quando passavam o portão! E entrávamos no pátio da fazenda no mesmo passinho devagar, os cavalos cobertos de espuma e nós exaustos, suados, os cabelos esticados para trás e com a adrenalina ainda todo o vapor! E os empregados, que nem desconfiavam das corridas, nos agradeciam e davam parabéns pelo exercício que fizemos!

E nos sábados seguintes os africanos eram os primeiros a perguntar se não íamos andar a cavalo de novo! E querem saber da maior? Nunca ninguém caiu dos cavalos! Acho que Saint Andrew, o santo patrono da Escócia, lá de cima velava pelos loucos cavaleiros!

2 comentários:

Pedro Dale disse...

Pai,

Toda vez que vc conta essa história dos cavalos, eu me lembro de um filme chamado Krull, onde o Richard Chamberlain achava no meio do deserto uns cavalos que eram conhecidos como as "Éguas de Fogo"! Quanto mais rapido as éguas corriam, uma labareda começava a sair das patas dos bichos!

Vc esqueceu de contar, que por causa do frio, quando os cavalos respiravam, saia uma fumaceira danada do nariz dos cavalos e eles pareciam uns dragões!

Beijos
Pedroca

BETH disse...

Sr Luizinho, estou lendo seu blog, pois adoro viajar...ainda nao fiz grandes viagens e por isso me encanta ver a experiencia de quem ja foi a tantos lugares. O senhor deve ter uma vivencia linda.Parabens e obrigado por essa oportunidade de viajarmos atravez de suas historias, fotos, explicacoes e dicas... Beth