Há quase 40 anos atrás, eu fui a Los Angeles tentar reatar um romance interrompido com uma ex-noiva que estava morando lá com o irmão e a cunhada numa tranqüila rua do muito arborizado bairro de Tarzana, em San Fernando Valley. O nome esquisito era porque lá foram rodados os primeiros filmes de Tarzan com o Johnny Weissmuler, que se pendurava nos cipós das árvores de uma densa floresta que agora estava bem reduzida, entrecortada por ruas e cheia de casas ótimas.
Dois dias depois que eu cheguei o irmão recebeu um telefonema do advogado dizendo que ele tinha que estar em Nova York em cinco dias para assinar a papelada do Green Card. Como a dureza era total e naquela época não existiam as passagens aéreas promocionais de hoje em dia, nós quatro resolvemos ir de carro enfrentando os quase quatro mil quilômetros que separam Los Angeles de Nova York.
Depois de encher o tanque pegamos um mapa, traçamos um roteiro básico, passamos no supermercado para comprar pão, queijo, presunto, biscoitos e água, e lá fomos nós a bordo de um Camaro amarelo nos revezando no volante. A idéia era só parar para comer, dormir e ir ao banheiro para não perder tempo, já que a tal entrevista com a imigração não podia ser perdida.
Nós não tínhamos a menor idéia da aventura em que estávamos nos metendo...
Era final de novembro, já bem frio, e o primeiro desafio foi entrar pelo estado de Nevada sem passar pelos cassinos de Las Vegas, cujos letreiros de néon iluminavam o céu à distância. Para encher novamente o tanque – o carro “mamava!” - paramos numa cidade chamada Mesquite que tinha apenas uma rua com um posto, um drugstore, e um correio com uma cabine telefônica! Hoje, fiquei pasmo, a cidade tem até site na Internet!
Mandamos brasa pela estrada até Cedar City, já em Utah, onde paramos para dormir num motel daqueles de caminhoneiros americanos. Deu o maior medo estacionar o nosso carro ao lado dos imensos caminhões com seus motoristas fortes, tatuados e mal encarados!
Saímos cedo no dia seguinte e entramos no estado de Wyoming, terra dos índios Cheyenne, aqueles dos filmes de caubói do John Wayne. Visitamos uma pequena vila indígena e uma cidade fantasma, onde compramos mocassins molengos de camurça e colares de turquesas!
Ao chegar ao Colorado enfrentamos uma grande nevasca na região de Arapahoe, e tivemos que esperar mais de uma hora enquanto tratores com canhões aspiravam e lançavam a neve à distância, deixando um verdadeiro corredor branco com paredes de mais de 2 metros de altura por onde os carros só passavam com correntes nas rodas para não derrapar.
Paramos para dormir em North Platte, Nebraska, num motel todo feito de troncos, como uma enorme cabana, com lareiras nos quartos e uma novidade: as camas tinham um aparelhinho que fazia o colchão vibrar! Você punha uma moeda de 25 cents e a cama tremia por meia hora, perfeito para relaxar depois de 12 horas sentado. Entrei no quarto, abri a água, deitei na vibrante cama para relaxar e fiquei esperando a banheira encher. De repente acordo com murros na porta! Eu tinha ferrado no sono de cansaço e a banheira, transbordando, estava inundando o quarto e o corredor dos quartos! Quase fomos expulsos de lá!
Várias coisas me impressionaram ao cruzar o interior dos Estados Unidos: nunca vi espaços abertos tão amplos na minha vida! As montanhas e planícies eram espetaculares! As estradas eram perfeitas e intermináveis – às vezes ficávamos na mesma reta por mais de 4 horas sem cruzar com nenhum outro carro! Dos dois lados eram quilômetros e mais quilômetros de campos arados e secos, com os tratores e colhedeiras cobertas por lonas e muita neve. Parecia cena de filme de terror do Stephen King.
Só nos postos de gasolina e nos pedágios é que víamos carros e outras pessoas. Vocês não têm idéia do que pagamos de pedágio e multas! Ao sair de um estado e entrar em outro, já havia um guarda nos esperando na guarita com uma multa. Não sabíamos que existia um satélite espião na estratosfera vigiando a estrada como um Big Brother, e nós fechados dentro do carro com o aquecimento e o rádio ligados, rindo e falando besteira para matar o tédio, nem percebíamos que estávamos “voando” a mais de 250 km por hora! Sorte que as multas foram dadas em estados diferentes, pois mais de três no mesmo estado e a carteira de motorista e o carro teriam sido apreendidos.
Passamos por muitas pequenas cidades que ficavam fechadas durante o inverno! Inacreditáveis placas anunciavam: cidade tal, a tantas milhas de distância, “closed for the winter”! E estavam fechadas mesmo! As portas e as janelas das poucas casas e lojas com aquelas madeiras em X pregadas! Muito estranho...
Como era temporada de caça, passamos por muitos carros com vários alces e outros animais mortos estirados no capô do motor ou na capota, amarrados e congelados, pois o frio estava bem abaixo de zero. Quando os carros passavam ao lado do nosso dava para ver de perto os enormes animais mortos com as lindas galhadas e olhos arregalados e opacos. Nunca consegui esquecer essas cenas...
Logo depois de passar pela fronteira de Iowa e entrar numa reta sem fim, já anoitecendo, vimos um posto de gasolina com uma placa bem grande dizendo: “encha o seu tanque aqui porque o próximo posto é só na cidade tal, há 500 quilômetros de distância”. Apesar de ter enchido o tanque a menos de uma hora atrás, o meu “cunhado” achou que aquilo era safadeza do dono do posto – e foi em frente...
Horas depois, por volta da meia-noite, em plena escuridão no meio do nada, o Camaro começou a engasgar, a tossir, a roncar... E morreu! O silêncio dentro do carro era total. Ninguém ousava falar nada, até que o motorista teve um ataque histérico e saiu gritando todos os palavrões brasileiros e americanos que ele conhecia! Saímos todos para tentar alguma solução, mas voltamos correndo: fazia pelo menos uns 10 graus abaixo de zero! E ainda por cima ventava!
Vestimos casacos, gorros e luvas e saímos tiritando pela estrada nas duas direções, dois pra lá e dois pra cá. Por sorte havia uma incrível lua que iluminava o bastante para vermos uma placa de madeira bem tosca com os seguintes dizeres pintados com tinta branca: “uma milha nesta direção, casa do fulano de tal, tem gasolina para vender”. E lá fomos os quatro andando durante uma meia hora no escuro até um sítio mixuruca com um grande paiol de madeira.
Perto da porta havia um sino e outra placa: “não me acorde se não estiver disposto a pagar 5 dólares o litro”! Só para lembrar, naquela época um galão, que tinha quase 4 litros de gasolina custava menos de 1 dólar! O cara era um ladrão aproveitador e nós uns idiotas totais. Tocamos o sino, apareceu um sujeito todo desgrenhado numa janelinha com a mão estendida que levou nossos vinte dólares e deu em troca um bujão todo enferrujado sem tampa!
Mais meia hora de frio andando até o carro e novo problema: o bocal do tanque de gasolina do Camaro era atrás da placa traseira, e sem um funil ou mangueira não dava para despejar o combustível no tanque! Eu, o único de casaco e luvas de couro, fiquei com os braços e as mãos juntos fazendo uma espécie de calha enquanto o cunhado despejava a fedorenta gasolina em mim. Claro que com o frio as mãos tremiam e grande parte foi para o asfalto. E o medo de uma explosão? Felizmente o que entrou foi suficiente para chegar ao próximo posto onde não só enchemos o tanque como compramos mais dois galões, com mangueiras e funis para o resto da viagem. Meu casaco e minhas luvas ficaram fedendo a gasolina até eu dá-los de presente, na volta ao Brasil!
E a partir daí cada vez que surgia um posto na estrada, por via das dúvidas enchía-se o tanque! E fomos em frente passando por Illinois, Indiana, Ohio e Pennsylvania, chegando a Nova York um dia antes da entrevista. E nos hospedamos no pior hotel que eu já fiquei na minha vida - mas isso é uma outra história que eu conto depois.
Depois de cinco dias flanando em Manhattan fizemos a viagem no sentido inverso, passando pelos mesmos estados mas usando estradas mais ao sul, pois o inverno tinha chegado para valer e as outras estavam cheias de neve.
Agora sem pressa para voltar, visitamos a reserva indígena Sioux (mais mocassins e pulseirinhas), o Grand Cânion (impressionante), e as montanhas nevadas de San Bernardino. Em sete dias e 2.443 milhas depois, estávamos de volta a Tarzana, prontos para um novo terror que nos aguardava: a casa estava tomada de cupins gigantes que comiam as pedras da lareira...
Essa também fica para a próxima vez!
terça-feira, 30 de setembro de 2008
SUFOCO À MEIA-NOITE: SEM GASOLINA NO MEIO DOS ESTADOS UNIDOS!
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