quinta-feira, 27 de novembro de 2008

DIÁRIO DO GUIA # 5: A GORGETA SENSUAL...

Trabalhando como guia, além da passagem aérea, da hospedagem, dos passeios e dos ingressos para museus e atrações, eu ganhava uma diária de trabalho proporcional à viagem que estava capitaneando. Em idas para Miami e Orlando a minha diária era de 70 a 85 dólares, pelas Américas, Canadá e Europa entre 90 e 100 e para o Oriente de 150 a 200. A meu ver um bom pagamento, pois além de trabalhar eu estava também passeando, conhecendo lugares novos, me divertindo muito, vendo shows e exposições e ainda fazendo amigos. Isso sem contar as comissões pagas por algumas lojas se o grupo fizesse boas compras.

Além disso tudo, era de praxe o guia receber uma gorjeta dos passageiros no final da excursão que, é claro, variava de acordo com o meu desempenho durante a viagem e com o bolso deles. Uma pessoa do grupo recolhia o dinheiro, colocava num envelope e me entregava na frente de todos fazendo um pequeno discurso, quase sempre no ônibus para o aeroporto no dia de voltar ao Brasil.

Eu não posso me queixar porque sempre tive a sorte de levar grupos de ótimas agências, com passageiros de excelentes condições financeiras e bem generosos. E, modéstia à parte, eu era um bom e divertido guia. As gorjetas chegavam às vezes a mais de mil dólares! É só fazer as contas: uma média de 42 passageiros, cada um dando de 20 a 30 dólares – o que não é muito – e o polpudo envelope encerrava a viagem com chave de ouro!

Uma vez eu estava com uma turma em Nova York e na véspera de voltar uma das passageiras me chamou num canto do lobby do Hilton e disse que o grupo estava tão satisfeito comigo que queria me dar de presente uma grande TV a cores! Quase tive um ataque! Uma TV? Seria o maior presente de grego, pois como é que eu ia entrar no Brasil com ela? Com a cota na época de só 100 dólares para eletrodomésticos e a TV custando mais do dobro, eu ia ter que pagar uma multa bem alta aqui no Galeão.

Pedi que a senhora tentasse convencer a turma de que o melhor era dar a gorjeta em dólares naquele mesmo dia se possível, até porque eu estava duro e podia aproveitar essa grana para umas boas comprinhas no Bloomingdale’s. Fui rápido para o quarto me arrumar pois alguns casais iam comigo assistir ao show “Woman of the Year” com a Raquel Welch em menos de uma hora. Mal saí do banho e o telefone tocou.

Era a tal senhora dizendo que todos concordaram com a minha sugestão e que eu devia passar no quarto dela para receber o recheado envelope. Agora, atenção: eu preciso descrever essa senhora: loiríssima oxigenada, cinqüenta e poucos anos (mais velha que a minha mãe na época), toda plastificada da cabeça aos pés, cafona a não poder mais, metida a brotinho (só andava de short e saltos bem altos), coberta de jóias e sempre pronta para dar palpites na vida de todos do grupo. Mas afora isso, muito simpática e alegre.

Acabei de me vestir, de blazer e gravata – naquela época a ida ao teatro era bem mais caprichada – desci um andar e bati na sua porta. “A porta está aberta”, disse ela, “pode entrar!” E foi aí que a coisa engrossou...

O quarto estava na penumbra, apenas um abajur aceso com um lenço vermelho por cima, um balde de gelo com champanhe e duas flûtes, e deitada na cama de camisola de renda preta transparente estava a madame, passando o polpudo envelope entre os siliconados seios!

Fiquei estático com aquela cena de sedução explícita! Entro ou não entro? Pego ou não pego o envelope? Será que ela vai me agarrar? Mais velha que a minha mãe...

Respirei fundo e entrei no quarto. Falou para eu sentar na cama e me serviu o champagne (americano) não muito gelado. Fazendo todo o charme possível para entregar o dinheiro, ela disse que se eu quisesse poderia ganhar outros envelopes iguais ou mais polpudos do que aquele, desde que...

Eu, sempre muito falante e animado, perdi a fala. Não sabia o que dizer nem o que fazer. O silêncio era constrangedor.

Mas logo a sorte bateu à porta: dois outros casais amigos dela que iam ao teatro e que estavam hospedados nos quartos ao lado passaram, viram a porta meio aberta e entraram, acendendo a luz. E me salvaram perguntando: “Luiz, recebeu a gorgeta? Já está na hora do show, vamos? O que houve fulana, você está doente, não vai com a gente?”

Ela, muito sem graça, me deu o envelope e na cama ficou, enquanto nós cinco saímos do quarto, eu saltitante com os meus muitos dólares no bolso e aliviado de ter escapado da embaraçosa situação sem maiores problemas.

No dia seguinte, com mais uma mala entulhada com tudo o que eu tinha comprado rapidinho naquela manhã com os mil e tantos dólares da gorgeta, no traslado para o aeroporto eu agradeci a todos o presente enquanto ela mal olhava para a minha cara. E nem depois de chegar ao Rio se despediu de mim. Mas até hoje eu me pergunto o que teria acontecido se os casais não tivessem entrado no quarto...

Nenhum comentário: