terça-feira, 8 de julho de 2008

A CIDADE MAIS FRIA DO MUNDO!

Para os cariocas que já começam a reclamar quando a temperatura diminui nos nossos poucos dias de inverno, vejam o que é frio para valer!
Shaun Walker escreveu esta reportagem para o jornal britânico The Independent, a Revista da Semana e para o NeoSeganet Reporter, e eu, impressionado, a reproduzo para você.

"Pela primeira vez na vida descobri o seguinte:

- A 5°C negativos o frio pode ser refrescante.
- A 20°C negativos a umidade no nariz se congela e fica difícil não tossir.
- A 35°C negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco.
- E a menos 45°C até usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e nas orelhas e rasga pedaços da pele quando você decide tirá-los...

Sei disso porque acabo de chegar a Yakutsk, uma cidade remota na Sibéria Oriental (população: 200 mil), que detém a fama de ser a cidade mais fria da Terra. Em Janeiro a média fica em torno de 40°C negativos. A névoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores em pesados casacos de pele passam pela praça central, adornada por uma arvore de Natal congelada e uma estatua de Lênin coberta de neve eterna.

Logo descobri que, ali, temperaturas na casa dos 40°C negativos são descritas como "frio, mas não muito frio". Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de botas; ceroulas térmicas; uma calça jeans; uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um suéter justo de caxemira; um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de inverno com capuz; um par de luvas finas de lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de luvas de lã; um cachecol de lã e um boné, também revestido de lã.

Saindo do quarto como se fosse o boneco Michelin, e já suando por causa do sistema de aquecimento do hotel, decido que estou pronto para encarar Yakutsk. Caminho porta afora e na hora não acho tão ruim assim...A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no geral a sensação é boa... Até agradável. Desde que você esteja vestido corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa que o fluxo de sangue para o local parou.

Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o capuz tampouco são páreo para os 43°C negativos e minhas orelhas começam a pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado. Olho no relógio. Fiquei ao ar livre por 13 minutos.

Yakutsk é a capital de Yakutia, região que abrange mais de 2.6 milhões de quilômetros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo menos R$ 1,8 mil ida e volta, uma enorme quantia num país em que o salário médio é de R$ 930 por mês.

Não há ferrovia até Yakutsk. As outras opções são uma viagem de 1,6 mil quilômetros de barco subindo o rio Lena, nos poucos meses do ano em que ele não está congelado, ou então a "estrada dos Ossos", uma rodovia de 2 mil quilômetros construída por prisioneiros do Gulag (o sistema penal soviético).

Em Yakutsk a maioria dos carros é de importados japoneses de segunda mão, que aparentemente resistem melhor ao frio do que os veículos russos tradicionais. Ainda assim os moradores costumam deixar o motor funcionando se vão parar apenas por meia hora, e alguns o deixam ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura mínimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade. A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630. No século 19 era usada como prisão aberta para dissidentes políticos.

Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. “Eles perderam todo o calor que já tiveram”, escreveu. “As únicas coisas que lhes restam na vida são vodca, vagabundas, mais vagabundas, mais vodca... Não são mais seres humanos, mas bestas selvagens. Lênin e Stalin foram dois dos presos políticos exilados em Yakutsk.

A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A megaempresa Alrosa, responsável por 20% da oferta mundial de diamantes brutos tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e até zoológico.

Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de crianças brincarem na neve da praça central, percebo que preciso de um táxi para continuar minha exploração. Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe.

Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta a temperatura habitual, sentem uma cãibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a coçar.

Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo, tudo congelado. “É claro que faz frio, mas você se acostuma”, diz Nina, uma yakut que passa oito horas por dia de pé na sua banca de peixes.
“Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa.” Mas ainda assim o nível de resistência é difícil de compreender.

Os operários continuam trabalhando na construção civil até os 50°C negativos (abaixo disso o metal se torna quebradiço) e as aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo de menos 55°C (embora o jardim-de-infância feche com menos 50°C).

Quase sem exceção, as mulheres se cobrem da cabeça aos pés com peles, muitas delas produzidas ali mesmo. Nesse clima a ética pouco importa. “Vi na televisão que na Europa existem lunáticos que dizem que não é legal usar pele porque eles amam os animais”, diz Natasha, uma moradora de Yakutsk que veste um casaco de coelho, um encantador chapéu de raposa ártica e uma bota de pêlo de urso. “Deveriam vir para cá para ver se ainda se preocupam tanto com os animais. Aqui você precisa vestir peles se quiser sobreviver.”

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