quinta-feira, 31 de julho de 2008

DIÁRIO DO GUIA # 1: UM DOENTE NAS ALTURAS!

Quando você é guia de excursões e viaja acompanhando turistas pelo mundo afora, além das óbvias obrigações de checar horários da programação, confirmar vôos, dar avisos, supervisionar o check-in nos hotéis e aeroportos, distribuir boarding-cards, contar malas, fazer wake-up calls, dar sugestões de passeios nos dias livres, traduzir tudo para quem só fala português, e estar sempre a postos para qualquer informação adicional, há ainda imprevistos e surpresas que surgem de uma hora para a outra e que podem colocar em jogo a sua capacidade profissional.

O guia é o manda-chuva do grupo, o representante legal da agência, a voz maior da excursão, e todos os passageiros têm que respeitá-lo e acatar suas decisões para o bom andamento da viagem. Precisam sentir a sua autoridade mas não podem ficar dependentes, caso contrário você não consegue fazer mais nada.
E é claro que o guia tem que ser também o animador da festa, o brincalhão, o apaziguador de brigas, o cupido, e o cara experiente que já conhece a cidade e dá as melhores dicas sobre tudo, mesmo sem nunca ter estado lá antes…

Isso aconteceu comigo na primeira viagem ao Japão. Eu nunca tinha ido antes e de cara fui guiando 35 pessoas! Lógico que antes do embarque eu fiquei uma tarde inteira na agência recebendo instruções de uma guia que já tinha ido mais de seis vezes e como ela era muito detalhista, me deu todas as informações por escrito. Como no Japão os guias locais são perfeitos e acompanham a excursão o tempo todo, do primeiro ao último dia da viagem ninguém desconfiou que eu fosse um novato na terra do sol nascente.

Só tive uma surpresa na primeira viagem, e das boas: eu sabia que duas lojas de Tóquio pagavam comissões ao guia sobre as compras do grupo, e já estava saindo para recebê-las. Mas ao abrir a porta do quarto dei de cara com seis japoneses de terno preto e óculos escuros esperando por mim, parecendo membros da máfia japonesa, a temível Yakuza!
Mas em vez de me atacar cada um entregou um gordo envelope fechado e sairam de costas fazendo muitas reverências. Quase pulei de alegria ao ver que ali estava a maior comissão que recebi na minha vida, trezentos e tantos mil ienes que rapidamente viraram mais de 3 mil dólares! E de lojas que a turma tinha ido por conta própria e que eu nem conhecia…

Na segunda ida ao Japão a coisa complicou. Na hora de embarcarmos de volta em Tóquio, já na fila para entrar no avião, um passageiro que viajava sozinho me chamou e eu vi que algo muito grave estava acontecendo: ele estava verde de dor por conta de pedras nos rins, e mal conseguia andar. O que eu ia fazer? Se chamasse um médico no aeroporto com certeza ia interná-lo para exames. Ele não falava inglês e muito menos japonês. Se eu ficasse com ele o que aconteceria com o grupo sozinho em San Francisco e Nova York?

Chamei a turma num canto e expliquei a situação. O doente, gemendo muito, disse que queria embarcar de qualquer maneira. Eu e dois outros garotões o pegamos por debaixo dos braços e o fomos carregando em direção ao finger. Todas as senhoras ficaram à nossa volta fazendo uma paredinha na hora da entrega do boading-card para que a atendente da Japan Airlines não percebesse que o homem estava praticamente desmaiado. Arrastamos o doente e entramos no avião, o colocamos na primeira cadeira vaga, apertamos o cinto e o cobrimos com um cobertor até a cabeça. As aeromoças não perceberam nada.

Em pouco tempo o avião partiu e todos respiraram aliviados. Meia hora depois eu chamei um comissário e expliquei que o passageiro começou a passar mal depois que levantamos vôo e precisava de cuidados médicos. O rapaz deu uma olhada no doente que a estas alturas estava azul e se contorcendo de dor, pegou o microfone e fez um apelo para saber se havia algum médico a bordo.

E aí aconteceu uma verdadeira cena de filme: abrem-se as cortinas da primeira classe e surge um médico vestido de branco com uma maleta e um estetoscópio tendo a seu lado uma enfermeira de uniforme e chapeuzinho branco com uma cruz vermelha! Fiquei pasmo! Eu sabia que a JAL era uma excelente companhia, mas médico e enfermeira uniformizados a postos nas alturas?

Na verdade os dois estavam acompanhando uma senhora bem idosa e rica e foram muito solícitos, examinando o doente e dando remédios contra dor e para dormir. Até eu ganhei um sonífero, pois o médico viu que eu estava à beira de um ataque de nervos!

Muitas horas depois chegamos a San Francisco e uma cadeira de roda e uma ambulância nos esperavam, mas a crise já havia passado e ele saiu andando normalmente do avião.
E graças a Deus, para a minha sorte, até o fim da excursão a dor não voltou!

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